Por Garbila Bizutti
O espetáculo teatral “Demência”, escrito por Everton Oliveira e interpretada em 2017 pelos alunos do Núcleo de Artes Cênicas do SESC Sorocaba/SP, dirigidos por Junior Mosko, nos leva a uma reflexão profunda sobre o poder da mentira que, quando bem contada, torna-se uma ‘verdade’. Para além deste, também nos faz pensar sobre as pessoas oprimidas pela sociedade por conta de suas diferenças físicas e psicológicas. O espetáculo teatral completo está disponível na plataforma digital “YouTube”, no canal do artista Junior Mosko.
Na trama temos Bento, um homem com demência, acusado de estuprar a menina Suely, que se encontra grávida do estuprador. Bento é julgado pela sociedade após acusação e levado à delegacia e, posteriormente, à cadeia, onde sofre muitos abusos e punições, sendo violentado fisicamente e psicologicamente.
Teresa, mãe de Suely, é uma pessoa extremamente religiosa, porém têm sua “ficha suja” com sua família. Ela dopa diariamente seu marido de remédios afirmando ter doenças psicológicas e, futuramente, declara que sua filha é louca, a mandando para um hospício. É ela, também, que defende Bento da punição da sociedade, alegando que apenas Deus pode julgar e que o homem é “filho do Deus de tudo, Deus dos miseráveis, dos bandidos, loucos, etc”. Teresa é julgada pela sociedade por conta da gravidez de sua filha, o que a leva dizer para Suely que ela tem uma vergonha na barriga e, por isso, está louca, conclui dizendo que a internará. A filha então diz que todos saberão a verdade, porém que verdade será esta? A menina então, desesperada, vai contar esta verdade ao pai, mas sua mãe a interrompe com a chegada dos médicos que levarão a garota ao hospital clínico.
Enquanto isso na cadeia, os outros integrantes do presídio maltratam Bento, um desses atos é quando ele é supostamente riscado por uma faca (ele imagina ser riscado e, por possuir demência, sofre com isso acreditando ser verdadeiro o corte). O policial aparece e a punição é pausada pois o policial entrega marmita aos detentos, os fazendo parar para comer.
Na clínica de recuperação, há vários casos de abusos físicos e psicológicos, porém na frente do doutor inspetor, a doutora chefe (Dra. Muniz) muda sua personalidade para alguém delicada e agradável. Lá então, existe uma enfermeira que, para curar Suely, sugere um tratamento utilizando a arte, como a pintura, mas a diretora, Dra. Muniz, afirma que este não é o estilo de tratamento da clínica, onde as sessões terapêuticas corretas seriam com choque, camisa de força e selagem, já que naquele corpo da garota “não há criança alguma”. A enfermeira assustada cita um monólogo sobre a razão, que deveria controlar sentimentos e emoções, e que quando o homem a perde, caberia aos especialistas deste tempo arrumar essa “máquina”, o tirando da loucura, uma grande crítica aos tratamentos dados no hospital clínico.
Na casa de Teresa, o pai de Suely diz que não pode viver assim, questiona sua esposa sobre o que fizeram com sua filha a respeito da criação da mesma, se pergunta onde erraram e o que deveriam ter feito.
O desfecho da história é um tanto quanto trágico e, também, revelador. A menina Suely é levada ao tratamento de Lobotomia (a cura da alma), uma cirurgia no cérebro que a fará ficar mais “controlável” dali a diante, o que faz com que a Dra. Muniz decrete-a como curada. Bento vinga-se de um preso, o matando com uma faca, e logo após é levado pelos policiais para uma “lição”, possivelmente o levando a morte. João, marido de Teresa e pai de Suely, comete suicídio, pois não aguenta mais viver com a culpa de ter errado na educação da garota e com a incapacidade de se vingar do estuprador. Quanto à clínica, doutora Muniz enlouquece após receber a notícia que seu hospital será fechado por más condutas e a mesma é internada. A peça finaliza com um monólogo da enfermeira e com Suely em estado vegetativo e sangrando. Por fim, descobrimos quem é o verdadeiro estuprador: o policial que esteve presente durante diversos momentos da história; o mesmo tira sarro da garota, dizendo que ela guardou bem o segredo.
A verdade quando traz culpa, mas é bem protegida, necessita de um outro culpado. Neste espetáculo teatral podemos ver as influências e consequências de uma mentira, ou melhor, o que um segredo pode fazer com a vida de diversas pessoas, ainda mais quando todos são manipulados por uma força maior, seja religiosa, seja elitista (oligárquica) ou seja ela nosso próprio sentimento de culpa.
A peça “Demência” contém cenas fortes e é recomendada para maiores de 18 anos. Ela nos traz questionamentos e reflexões que deveriam, no entanto, estar presente regularmente antes de realizarmos nossas ações. Traz um tema polêmico também, o estupro e a elite, onde os “desfavorecidos e ingênuos” são oprimidos e tornam-se um grande alvo para libertar as ações corruptas elitistas.
“Toda ação possui uma reação” (Newton, 1687). O que suas ações hoje, resultarão amanhã? O que você esconde te aprisiona ou te liberta? Qual é o preço e as consequências daquilo que você esconde?
Ver comentários (1)
Muito profundo esse tema. Uma história bem elaborada. Parabéns!